Manuel Laranjeira 1877-1912 Médico, poeta, dramaturgo e articulista |
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" A TRISTEZA DE VIVER |
Manuel Fernandes Laranjeira nasceu em Vergada, freguesia de Mozelos do concelho de Santa Maria da Feira, a 17 de Agosto de 1877. Era um dos sete filhos de Domingos Fernandes da Silva, pedreiro, que morreu tuberculoso.
Em 1884 iniciou a instrução primária na antiga residência paroquial de São Martinho de Argoncilhe. Foi um brilhante aluno. O professor João Carlos Pereira de Amorim reconheceu-lhe a inteligência e previu um futuro promissor para o seu pupilo.
Depois da morte pai, o apoio que prestou à mãe custou-lhe a perda de liberdade. Por ela atrasou uma muito desejada viagem a Paris, para ir ao encontro do amigo Amadeo de Souza-Cardoso, artista a quem Laranjeira vaticinara que "haveria de vencer, haveria de triunfar". Nunca chegou a fazer essa viagem. Na mãe viu um ser simples e carinhoso, que o tratava por "meu laranjeira" e que, desde cedo, reconheceu a solidão do filho.
Devido à pobreza da família, os quatro irmãos mais velhos de Manuel (António, Joaquim, Francisco e Salvador) emigraram para Brasil, onde se juntaram a um tio endinheirado, boticário de profissão. Nesse país, Salvador cortejou a prima, filha do "brasileiro", com quem se casou após a morte do pai desta, na década de 80 de Oitocentos, e com a qual regressou, pouco depois, ao Porto para tratar dos irmãos Manuel, Mamede e Luísa.
Com o auxílio financeiro do irmão e da cunhada, Manuel Laranjeira inscreveu-se, já com 18 anos, num liceu portuense. Nesta fase da vida escreveu o primeiro poema, "Tenho inveja de Cristo…" (1898), e, depois de concluir os estudos liceais, realizou a primeira incursão pela criação dramática com "O Filósofo".
Em 1899 ingressou na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, para seguir medicina. Durante o percurso académico foi um estudante aplicado e muito ativo. Discutiu os problemas sociais, morais e políticos do seu tempo, integrou um grupo antimonárquico, proclamador da cultura moderna, e tornou-se um feroz polemista, vindo a escrever em várias publicações periódicas de diversa índole (no jornal estudantil, O Campeão, no Teatro Português, na Revista Musical, no Porto Médico, nos Serões, na Ilustração Transmontana, no Jornal de Notícias, na Voz Pública, no Norte e na Pátria).
A partir de 1901 adotou o apelido Laranjeira, de sua mãe.
No ano seguinte, editou a obra "Amanhã" e viu nascer Flávio, o seu primeiro filho, fruto da relação que manteve com Maria Rosa de Jesus Neves, serviçal em Espinho.
Em 1903 realizou a primeira e única viagem fora do país, à capital espanhola, onde visitou o Museu do Prado. A segunda visita a Madrid, prevista para 1906, não chegou a realizar-se devido á morte do pai do seu amigo íntimo, António Patrício, que o iria acompanhar.
Após cinco anos de frequência da Escola Médico-Cirúrgica terminou o curso de medicina com a classificação final de quinze valores, tendo-lhe sido confiada a cadeira de Biologia durante o último ano letivo. Nesse ano de 1904 assumiu a gestão do capital do sobrinho Joaquim, filho de Salvador, tarefa que se veio a revelar desastrosa, uma vez que investiu o dinheiro que lhe fora confiado numa farmácia, que faliu. A sífilis, doença da qual padecia desde 1899, afetou-o mentalmente e agravou o seu estado de depressão.
Entretanto, procurou encontrar as razões do suicídio de Antero de Quental na hereditariedade biológica, atribuindo culpas da atitude "anteriana" à influência de místicos do século XVII e à consanguinidade. No decurso desta investigação conheceu o quarto avô do poeta e escritor, o Padre Bartolomeu de Quental, e interessou-se pelo misticismo.
Entre 1905 e 1906 realizou estudos sobre "O Nirvana", para a revista Porto Médico, escreveu "Às Feras" e fez cinco conferências de Biologia ("O mapa biológico (introdução ao estudo da Biologia): o lugar do homem na natureza – Necessidade de adaptação – Antiguidade Biológica"). Por esta altura, o seu filho Flávio perdeu a mãe e Manuel Laranjeira experimentou períodos de grande instabilidade sentimental, resultantes de conturbadas relações amorosas, primeiro com uma varina e, depois, com Augusta, sua amante durante três anos, e que evocou constante e contraditoriamente nos seus diários.
Em 1907 defendeu a tese intitulada "A doença da santidade – Ensaio psychopathologico sobre o mysticismo de forma religiosa", na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, tendo-lhe sido atribuído o título de Doutor de medicina.
Manuel Laranjeira vivia insatisfeito, escrevia muito - sobre crítica social, artística, literária e política -, e proferia eloquentes conferências.
Em 1908 conheceu Miguel de Unamuno, escritor, poeta e filósofo espanhol, que esteve em sua casa e se tornou um dos seus maiores amigos e assíduos correspondentes (1864-1936). Unamuno escreverá um dia que "foi Laranjeira quem me mostrou a alma trágica de Portugal (…) e não poucos lugares dos abismos tenebrosos da alma humana". Integrou a Liga da Educação Nacional e foi eleito para a Comissão Municipal do Partido Republicano, de Espinho. No Porto, assistiu a concertos da Orquestra Filarmónica de Berlim e começou a editar o segundo "Diário Íntimo".
Em 1909 fez campanha n' A Voz Pública contra os lentes da Escola da Médico-Cirúrgica do Porto. Em Abril, apresentou ao 2º Congresso Pedagógico, da Liga Nacional de Instrução, um ensaio médico-biológico sobre o valor educativo do método de João de Deus aplicado ao ensino da leitura.
Entre 1909 e 1910 nasceu o seu segundo filho, Manuel.
Em 1911 proferiu uma conferência sobre proteção da localidade contra as investidas do mar, no Teatro Aliança, em Espinho. Foi eleito para a Comissão de Propaganda do Centro Democrático de Espinho e nomeado Administrador do Concelho, mas renunciou a este cargo alegando motivos de saúde.
A sua saúde deteriorara-se durante os últimos anos de vida. Vivia doente e isolado e obcecado pelo suicídio, que considerava a forma perfeita de "redenção moral".
Em 1912 foi editado "Commigo. Versos de um solitário". No dia 22 de Fevereiro desse ano, concretizou o que vinha ameaçando há alguns anos, suicidando-se com um tiro na cabeça, na praia de Espinho.
Miguel de Unamuno evocou este ato desesperado no prefácio da obra Cartas, de Manuel Laranjeira, escrevendo: "matou-o a vida. E, ao matar-se, deu vida à morte". Por ironia do destino, o exemplar de Rosário de Sonetos Líricos que lhe enviara de Salamanca chegou precisamente no dia da morte do amigo.
(Universidade Digital / Gestão de Informação, 2008)